«Também faço investigação para a cura da ELA»
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Algo está a mudar na luta contra a esclerose lateral amiotrófica (ELA).
Durante anos, esta doença neurodegenerativa foi sinónimo de incerteza, sofrimento e falta de opções terapêuticas. No entanto, os avanços científicos dos últimos anos estão a traçar um novo horizonte: pela primeira vez, surgem terapias inovadoras, start-ups especializadas e iniciativas que oferecem resultados promissores que poderão realmente transformar o futuro da ELA.
Esse impulso coletivo não está a nascer apenas em grandes empresas ou laboratórios. Está também a ganhar forma em universidades, hospitais e centros de investigação por todo o mundo, onde investigadores, médicos e especialistas trabalham diariamente com um objetivo comum: compreender a ELA e chegar ao seu tratamento.
No Dia Mundial da Esclerose Lateral Amiotrófica, damos voz a algumas das pessoas que, na comunidade CaixaResearch, investigam para tornar essa mudança possível e se unem numa mensagem comum: «Também faço investigação para a cura da ELA».
Compreender e diagnosticar a ELA
A esclerose lateral amiotrófica é uma doença neurodegenerativa progressiva e fatal. Afeta os neurónios responsáveis pela atividade muscular voluntária, essenciais para funções como andar e falar, acabando por conduzir à imobilidade da pessoa e à sua morte. Estima-se que afete 2 em cada 100 000 pessoas em todo o mundo. Em Espanha, embora não exista um registo oficial, sofrem de ELA entre 4000 e 4500 pessoas e, todos os anos, 700 pessoas desenvolvem os primeiros sintomas da doença, segundo a Sociedad Española de Neurología (SEN). Para todas elas, a esperança média de vida após o diagnóstico é de cinco anos, o que também constitui um choque psicológico para o doente e para o seu círculo mais próximo.
«O anúncio de um diagnóstico de ELA é um choque violentíssimo e difícil de descrever. É uma catástrofe. É a espada de Dâmocles em cima da cabeça. É uma morte anunciada. E é difícil, primeiro para o doente e depois para as pessoas mais chegadas, digerir com um mínimo de racionalidade o que está a acontecer porque parece que não é real, daí a frustração», explica no MediaHub María José Arregui, presidente da Fundação Luzón, uma instituição com a qual a Fundação ”la Caixa” colabora e que trabalha para a divulgação desta doença, para melhorar a qualidade de vida dos doentes e das suas famílias, e para promover a investigação.

María José Arregui, presidente da Fundação Luzón
Ciente de tudo isto está Anabel Sáez Mas, bolseira da Fundação ”la Caixa” e doutoranda no grupo do investigador CaixaResearch Óscar Fernández-Capetillo, no Centro Nacional de Investigaciones Oncológicas (CNIO) de Madrid. «Investigar a ELA é para mim um desafio pessoal e científico. O meu pai foi diagnosticado quando eu estava a tirar o curso e, desde então, tenho querido contribuir para uma melhor compreensão desta doença», explica Anabel. «A ELA é um puzzle com muitas peças. Muitas vezes, não sabemos o que a causa e há muitas mutações diferentes envolvidas. Isto torna-a um enorme desafio que precisa de respostas urgentes.»
Por esta razão, faz parte do grupo liderado por Óscar Fernández-Capetillo, que trabalha para compreender as causas moleculares que iniciam a morte dos neurónios motores nos doentes com ELA. «Compreender o problema é o primeiro passo para tentar encontrar soluções. As nossas descobertas iniciais sugerem que as mutações associadas à ELA levam à acumulação de proteínas ribossómicas defeituosas, uma espécie de “lixo molecular” que causa toxicidade. É um fenómeno que se observa também durante o envelhecimento», afirma o investigador CaixaResearch. «Neste contexto, estamos a tentar descobrir formas de limpar estes agregados de proteínas ribossómicas, de modo a explorar a sua potencial utilidade como uma nova abordagem terapêutica para a ELA.»

Anabel Sáez e Fernández-Capetillo
Tal como Óscar Fernández-Capetillo y Anabel Sáez Mas, a investigadora CaixaResearch Benedetta Bolognesi, do Instituto de Bioingeniería de Cataluña (IBEC), está a trabalhar para compreender algumas das causas da doença. «Estamos a concentrar-nos na proteína SOD1, que contém mais de 180 mutações associadas à doença», explica. A sua investigação faz parte de um projeto em grande escala com a Universidade de Wollongong e o Royal Melbourne Hospital, na Austrália, para mapear o impacto de todas as alterações genéticas da SOD1 em diferentes mecanismos da doença. «Isto vai permitir um diagnóstico mais precoce e preciso, e também estabelecer as bases para intervenções terapêuticas mais direcionadas e eficazes para todos os doentes com ELA.»

Benedetta Bolognesi
A busca de biomarcadores, moléculas biológicas que se encontram no nosso organismo e que podem revelar a presença da doença, é um dos campos de ação mais importantes contra a ELA. Descobrir estes biomarcadores poderá levar ao desenvolvimento de testes de diagnóstico mais rápidos e menos invasivos que possam melhorar o prognóstico da doença. «Penso que houve um antes e um depois em termos de investigação da ELA. Conseguimos colocar a doença na agenda pública e social e torná-la atrativa para os investigadores», afirma María José Arregui, presidente da Fundação Luzón.
Um dos projetos que se inscreve nesta linha faz parte da colaboração entre a Fundação ”la Caixa” e a Fundação Luzón. Trata-se do projeto de Maite Mendioroz e Ivonne Jericó, investigadoras da Fundação Miguel Servet (Navarrabiomed). A sua equipa trabalha numa técnica de diagnóstico desenvolvida no domínio da oncologia para ser aplicada a doentes com ELA: a biópsia líquida. «Quando as células degeneram e morrem, libertam o seu conteúdo, incluindo o ADN, na corrente sanguínea. Estas moléculas de ADN circulantes contêm informações bioquímicas sobre as suas células de origem, que, no caso da ELA, são os neurónios doentes», explica Mendioroz. «O que estamos a fazer é isolar e estudar esse ADN através de uma análise ao sangue como uma nova fonte de biomarcadores para desenvolver um teste não invasivo que ajude no diagnóstico destas doenças neurodegenerativas.»

Maite Mendioroz e Ivonne Jericó
Com este objetivo, está também a trabalhar a equipa de Estela Area, investigadora CaixaResearch do Centro de Investigaciones Biológicas (CIB-CSIC) Margarita Salas, em Madrid, embora com uma abordagem diferente. «A ELA apresenta múltiplas disfunções celulares sem uma causa clara. O nosso trabalho sugere que estas alterações podem ter uma origem comum: um defeito na regulação do metabolismo lipídico que afeta a função das membranas celulares», afirma. «O nosso objetivo é fazer uma análise longitudinal das alterações do perfil lipídico dos doentes com ELA para encontrar biomarcadores representativos da doença que, no futuro, possam tornar-se novos alvos terapêuticos para o seu tratamento.»

Estela Area
Para tratar e curar a ELA
A rede CaixaResearch também está a trabalhar na busca de possíveis tratamentos para a doença. A equipa liderada por Ana Martínez no Centro de Investigaciones Biológicas (CIB) Margarita Salas está a focar-se na descoberta e desenvolvimento de candidatos a medicamentos com mecanismos de ação inovadores. «Estamos a trabalhar para modular a TDP-43, uma proteína do núcleo da célula que tem uma multiplicidade de funções na formação de outras proteínas. Quando a doença ocorre, a TDP-43 sai do núcleo e instala-se no citoplasma, onde forma agregados tóxicos», explica Ana. «Criámos várias famílias de compostos que reduzem esta toxicidade e devolvem a TDP-43 ao núcleo.»

Ana Martínez
Por outro lado, o grupo de Manuel Portero, investigador do Instituto de Investigación Biomédica de Lleida (IRBLleida) e beneficiário de um apoio CaixaImpulse, está a desenvolver um novo tratamento para a ELA que poderá ser aplicável a 97% dos doentes. «Neste projeto, realizado em colaboração com a Universidade de Oxford, estamos a trabalhar com um fragmento de ARN mensageiro que corrige uma alteração chave num gene essencial para que a autofagia, um mecanismo de limpeza, aconteça», explica o líder do projeto e investigador CaixaResearch. «O trabalho combina a validação pré-clínica, a análise de mercado e a conceção de um primeiro ensaio clínico, e os resultados podem abrir a porta a uma nova terapia para esta doença incurável.»

Manuel Portero
Um objetivo comum
O interesse científico em compreender e encontrar a cura para a ELA tem vindo a crescer de forma constante nos últimos anos. E não é por acaso: a doença está a deixar de ser uma incógnita e a tornar-se uma prioridade na investigação biomédica. Prova disso é o trabalho dos investigadores da rede CaixaResearch e o empenho de iniciativas como a Fundação Luzón, que estão a contribuir para colocar esta causa no centro da agenda científica e social.
Hoje, as suas vozes recordam-nos que, longe de ser uma batalha perdida, a investigação da ELA é uma corrida coletiva, um processo em que todos os avanços contam e em que investigadores, associações e doentes são peças fundamentais para completar um puzzle complexo, mas não impossível de resolver.