Qual é o preço do stress para a nossa saúde?
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Okinawa, Japão. Sardenha, Itália. Nicoya, Costa Rica. Três pontos do mapa distantes entre si, mas que, no entanto, têm uma característica surpreendente em comum: a esperança de vida dos seus habitantes é muito elevada, superior a 100 anos.
Estas são três das chamadas Blue Zones, lugares onde as pessoas não só vivem mais, mas também com melhor saúde. Qual é o segredo?
Para além da dieta e da atividade física, os investigadores concordam que há um fator-chave que une estes lugares: os seus habitantes vivem em ambientes que favorecem o descanso, as relações sociais e promovem um forte sentido de propósito na vida, para além de experimentarem baixos níveis de stress.
Este detalhe não é de somenos importância. Embora o stress seja uma resposta natural do organismo — permite-nos reagir a situações de perigo —, quando se mantém ao longo do tempo, pode tornar-se um inimigo silencioso da saúde.
As evidências científicas são claras: o stress crónico atua como um fator de risco no desenvolvimento de doenças neurodegenerativas, cardiovasculares, imunológicas e mentais. Já não estamos a falar de qualidade de vida, mas sim de anos de vida.
Neste artigo colaborativo, exploramos a forma como o stress, quando se torna crónico, pode erodir os alicerces da nossa saúde. Fazemo-lo com o contributo de três investigadores da rede CaixaResearch que estão a estudar os seus efeitos de diferentes ângulos: a saúde mental, o coração, o sistema imunitário e o cérebro.
De que forma o stress afeta o sistema cardiovascular?
As doenças cardiovasculares são a principal causa de morte no mundo, segundo a Organização Mundial da Saúde. Existem oito grandes fatores de risco: obesidade, pressão arterial elevada, colesterol elevado, diabetes, tabagismo, falta de exercício físico, e alimentação e sono inadequados. Coincidentemente, estes fatores também estão altamente relacionados com o stress e o envolvimento de órgãos-chave, como o cérebro.
«O stress afeta todos os sistemas, mas sobretudo o cardiovascular», explica nesta entrevista ao MediaHub Valentí Fuster, um dos cardiologistas mais reconhecidos do mundo, investigador e diretor do Centro Nacional de Investigaciones Cardiovasculares Carlos III(CNIC) de Madrid e do Mount Sinai Hospital de Nova Iorque.

Valentí Fuster
O facto é que o stress crónico tem um efeito cumulativo no nosso sistema cardiovascular: aumenta a pressão arterial, favorece a inflamação no sangue, altera o ritmo cardíaco e pode reduzir o fluxo sanguíneo para o coração. A longo prazo, tudo isto pode danificar os vasos sanguíneos e aumentar o risco de aterosclerose e até mesmo de enfarte. Além disso, a esses efeitos fisiológicos somam-se também as mudanças comportamentais que provoca: aumenta a probabilidade de adotar hábitos pouco saudáveis (como o tabagismo, o consumo de álcool ou substâncias, e desequilíbrios na alimentação e no descanso) que fazem crescer a lista de fatores de risco e a probabilidade de sofrer danos cardiovasculares.
«No entanto, o stress também é algo pessoal. Vivemos num mundo consumista e muito competitivo, mas cada um tem de pensar no que quer da vida», explica Valentí. «Muitas vezes, a competitividade surge porque se quer ter uma situação economicamente mais vantajosa. Mas ter uma vida muito mais primitiva e com menos stress também pode compensar. Nas Blue Zones, as pessoas vivem em comunidade, comem melhor e têm menos stress. Portanto, é fundamental parar para pensar: “O que é que eu quero? E como posso sobreviver?”.»
Qual é o impacto do stress no cérebro?
Todos já ouvimos falar da famosa “hormona do stress”: o cortisol. «Quando os níveis deste tipo de hormonas aumentam, também observamos alterações no cérebro. Desde acidentes vasculares cerebrais a disfunções cognitivas e problemas de saúde mental», acrescenta Paulo Pinheiro, investigador CaixaResearch do Centro de Neurociências e Biologia Celular da Universidade de Coimbra (CNC-UC).
A sua equipa trabalha para descrever com precisão os mecanismos moleculares que relacionam o stress com as alterações neuronais, causadoras destes problemas.

Paulo Pinheiro
«Os efeitos do stress no cérebro vão desde uma menor neuroplasticidade e problemas de memória até ao desenvolvimento de perturbações de ansiedade e depressão. Sabemos que isto é desencadeado pela hiperatividade da amígdala, uma região cerebral envolvida nas respostas ao medo», afirma Paulo. «Também observamos que afeta gravemente outras regiões, como o córtex pré-frontal, envolvido no raciocínio superior, na tomada de decisões e no controlo dos impulsos, provocando uma menor capacidade de atenção, problemas de discernimento e uma maior impulsividade.»
De acordo com o investigador, neste domínio, parecem existir diferenças na resposta ao stress crónico entre homens e mulheres, embora esta seja ainda uma linha de investigação em desenvolvimento. «Os homens parecem ser mais propensos a sofrer de declínio cognitivo, enquanto, nas mulheres, predominam os efeitos emocionais.» Mesmo assim, encontraram um ponto comum em ambos os sexos: «Se o stress for muito intenso e prolongado, pode causar alterações irreversíveis no cérebro», acrescenta.
De que forma o stress afeta o sistema imunitário?
Durante um período de elevado stress, há pessoas que parecem adoecer mais facilmente. Outras, por outro lado, só adoecem depois de a tensão passar, por exemplo, durante as férias. Esta diferença tem uma explicação biológica: o stress gera uma resposta inflamatória que afeta o sistema imunitário de duas formas aparentemente opostas. Inicialmente, pode ser benéfico para combater os agentes patogénicos, mas, a longo prazo, acaba por enfraquecer a nossa resposta imunitária.
«Existem ligações bem documentadas entre o stress crónico e a resposta imunitária: aumenta a inflamação periférica, que chega ao cérebro sob a forma de moléculas pró-inflamatórias e ativa as células imunitárias no cérebro. Isto desencadeia um estado de neuroinflamação, que contribui para a disfunção cognitiva», afirma Paulo Pinheiro.
De facto, «este estado pró-inflamatório pode espalhar-se por todo o organismo e afetar a saúde em geral», indica Ayako Nakaki, bolseira da Fundação ”la Caixa” e investigadora no Fundació de Recerca Clínic Barcelona-Institut d’Investigacions Biomèdiques August Pi i Sunyer (IDIBAPS) do projeto IMPACT-BCN, que se centra na descrição do impacto do estilo de vida e do stress materno durante a gravidez na saúde das mulheres e dos seus bebés.

Ayako Nakaki
«Muitos estudos demonstraram que mais de 20% das mulheres grávidas sofrem de stress e ansiedade. Partimos da hipótese de que a diminuição desse stress melhora o estado inflamatório das mães e, com isso, o neurodesenvolvimento dos seus filhos.» O resultado foi claro: «Diminuir os níveis de stress e seguir uma dieta mediterrânica melhorou o desenvolvimento socioemocional das crianças durante os primeiros dois anos de vida». Embora estes resultados sejam encorajadores, «ainda é necessária mais investigação para compreender plenamente o porquê e os mecanismos biológicos deste fenómeno», acrescenta Ayako.
Como podemos reduzir o stress para melhorar a saúde?
Embora ainda haja muito por descobrir, Ayako acredita que, no caso das mulheres grávidas, os rastreios destinados a monitorizar os níveis de stress podem ser integrados no acompanhamento médico de rotina, melhorando, assim, a saúde das mães e das crianças.
Soluções deste tipo são agora mais necessárias do que nunca. Embora hoje em dia o stress esteja a tornar-se uma parte cada vez mais normalizada do nosso estilo de vida, continua a ser um problema grave a nível social. «Está frequentemente na origem de problemas de saúde graves, como a demência, a diabetes, as doenças cardíacas, a obesidade e o abuso de substâncias. Mas a sua difícil deteção e a falta de ferramentas para o quantificar atrasa o diagnóstico, até se tornar uma patologia clínica», explica Paulo Pinheiro. Então, o que podemos fazer para o travar a tempo?
«As terapias baseadas em mudanças no estilo de vida, como a meditação, o exercício físico, uma dieta equilibrada e o descanso adequado, podem ser eficazes na prevenção do declínio cognitivo causado pelo stress. No entanto, talvez o mais importante seja reconhecer que existe um problema que precisa de ser resolvido. Os números não mentem: as perturbações relacionadas com o stress representam um custo enorme para os sistemas de saúde», conclui Paulo.
Valentí Fuster vai mais longe e chama a atenção para o contexto social: «Atualmente, a sociedade de consumo está a ganhar vantagem sobre a cultura do bem-estar. Precisamos de criar uma cultura da saúde e da qualidade de vida, em que a prevenção é fundamental. Por outras palavras, se todos pensarmos que é importante cuidar de nós próprios e ter uma boa qualidade de vida aos 70, 80 ou 90 anos, podemos ganhar esta luta. E a economia também vai beneficiar», acrescenta Valentí. «Dou sempre um exemplo muito simples, com os semáforos: se não houvesse semáforos, o caos seria enorme. Os semáforos ajudam-nos a circular para que tudo funcione, e o mesmo acontece com a saúde. A prevenção funciona como um semáforo para a saúde: é essencial para que tudo funcione. É por isso que tenho esperança: a mentalidade coletiva está a mudar e cada vez mais valorizamos o bem-estar como um bem comum.»
Talvez nem todos possamos mudar-nos para Okinawa, para a Sardenha ou para Nicoya, mas podemos procurar inspiração nos hábitos dos seus habitantes para construirmos as nossas próprias “Zonas Azuis”: espaços, tanto físicos como mentais, onde o descanso, as relações significativas e o sentido da vida são fundamentais. Afinal de contas, cuidar do bem-estar emocional não é um luxo, mas um investimento na saúde.