Quarta-feira 30

Imunologia: a chave para compreender e tratar muitas doenças

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O sistema imunitário é uma das grandes maravilhas da evolução. Deteta e reage a vírus, bactérias, parasitas, células tumorais e até a agressões de objetos inertes. Da mesma forma, o nosso esforço para compreender e decifrar como atua o nosso próprio sistema imunitário é também uma das grandes conquistas da humanidade. Um exemplo claro disso é o facto de, só nos últimos 50 anos, as vacinas terem salvado 154 milhões de vidas, de acordo com a Organização Mundial da Saúde.

Atualmente, a imunologia, o ramo das ciências biomédicas que estuda o sistema imunitário, vai muito mais longe. Está a redefinir a biomedicina, abrindo a porta a novos avanços na prevenção, diagnóstico e tratamento de todo o tipo de doenças, desde o cancro a transtornos neurológicos. No Dia Internacional da Imunologia exploramos com três investigadores da rede CaixaResearch a forma como esta disciplina está a transformar a abordagem a áreas-chave da investigação e refletimos sobre o potencial do CaixaResearch Institute como motor de investigação e inovação neste domínio.

Treinar as células imunitárias para enfrentar o cancro

As terapias com células CAR-T são uma das novas formas mais promissoras de atuar contra o cancro. Neste tipo de terapia, um tipo de células imunitárias presentes no nosso corpo, os linfócitos T, são geneticamente modificadas para reconhecerem e destruírem as células tumorais de forma mais eficaz e precisa. Contudo, a extração e reprogramação das células T de cada doente representa um custo significativo que, em muitos casos, limita a aplicação desta terapia.

Marc Güell, investigador do CaixaResearch e Professor Investigador ICREA na Universitat Pompeu Fabra em Barcelona, lidera um projeto que visa utilizar vírus como vetores para modificar as células T no próprio doente. Os vírus poderiam chegar aos linfócitos e introduzir-lhes a modificação genética, permitindo que as terapias CAR-T contra o cancro fossem aplicadas com uma simples injeção. Isto simplificaria muito os tratamentos e reduziria o seu custo.

“Desenvolvemos partículas semelhantes a vírus (VLP, na sigla em inglês) que são muito precisas, pelo que só entram nos linfócitos T e não noutras células. Também conseguem contornar o sistema imunitário, o que favorece a sua persistência e reduz a resposta inflamatória do organismo”, explica Güell. “Para além do nosso trabalho, existem outras abordagens imunológicas contra o cancro que têm um forte potencial. Por exemplo, algumas visam reforçar a resposta natural do organismo ao cancro, intervindo em proteínas que normalmente limitam a ação do sistema imunitário”.

Marc Güell, investigador do CaixaResearch e Professor Investigador ICREA na Universitat Pompeu Fabra em Barcelona.

Compreender a resposta imunológica às infeções

Sempre que o nosso organismo sofre uma infeção, o sistema imunitário reage. Porém, não o faz sempre da mesma forma, desencadeando uma resposta específica para cada tipo de agente patogénico. O êxito desta resposta muito específica depende, em grande medida, da comunicação entre as células do sistema imunitário, um processo que Nuria Martínez, investigadora do CaixaResearch do Centro de Biología Molecular Severo Ochoa do Consejo Superior de Investigaciones Científicas e da Universidad Autónoma de Madrid (CSIC-UAM), está a tentar compreender em profundidade.

“Sabemos que as células imunitárias comunicam por contacto direto ou à distância através de uma série de proteínas chamadas citocinas, mas os nossos estudos sugerem que também podem estar a utilizar moléculas geradas pelo metabolismo para trocar informações, o que designámos por comunicação metabólica”, explica Martínez. “A compreensão desta linguagem pode abrir novas vias para melhorar as vacinas ou tratar as doenças imunológicas com intervenções nutricionais”.

Para a investigadora, a imunologia é hoje mais importante do que nunca, uma vez que os avanços neste domínio biomédico revolucionaram a forma como compreendemos, diagnosticamos e tratamos as doenças infeciosas. “Graças a uma compreensão mais profunda do sistema imunitário e da sua resposta a diferentes agentes patogénicos, foi possível desenvolver vacinas mais eficazes, terapias imunomoduladoras inovadoras e ferramentas de diagnóstico mais precisas”, acrescenta.

Nuria Martínez, investigadora do CaixaResearch do Centro de Biología Molecular Severo Ochoa do Consejo Superior de Investigaciones Científicas e da Universidad Autónoma de Madrid (CSIC-UAM).

Quando o sistema imunitário ataca o cérebro

Por vezes, o sistema imunitário confunde-se e atua contra o nosso próprio corpo, como acontece nas encefalites autoimunes. A mais comum é aquela em que o sistema imunitário ataca uma proteína das células cerebrais chamada “recetor NMDA”. Afeta sobretudo jovens adultos e crianças, causando sintomas como alterações comportamentais, psicose, perda de memória, convulsões, diminuição da consciência e até perturbações na área do cérebro que controla a respiração. Embora exista tratamento e a doença seja frequentemente curada, os doentes continuam a sofrer de perturbações psiquiátricas e cognitivas durante meses ou anos.

Josep Dalmau, investigador do Hospital Clínic-IDIBAPS e recentemente integrado no CaixaResearch Institute, trabalha para compreender melhor os sintomas e as causas desta fase de recuperação prolongada da doença, estudando os doentes. “Paralelamente aos estudos com os doentes, desenvolvemos um modelo animal da doença que nos ajudará a compreender melhor os mecanismos biológicos, a identificar biomarcadores e a desenvolver novas estratégias de tratamento”, explica Dalmau.

“A imunologia conduziu a avanços muito significativos na investigação das doenças neurológicas, nomeadamente das doenças autoimunes”, acrescenta o investigador. “Foram desenvolvidos tratamentos altamente eficazes para doenças como a esclerose múltipla e foi descoberta a origem autoimune de diferentes doenças, como é o caso das encefalites autoimunes, das quais foram descritos mais de 40 tipos. Além disso, os avanços na imunologia permitiram uma melhor compreensão dos mecanismos através dos quais processos como o cancro ou determinadas infeções podem desencadear uma resposta imunológica dirigida contra o cérebro e outras partes do sistema nervoso”.

Josep Dalmau, investigador do Hospital Clínic-IDIBAPS e recentemente integrado no CaixaResearch Institute.

Um centro pioneiro para impulsionar a investigação em imunologia

Nos próximos meses, o CaixaResearch Institute abrirá as suas portas em Barcelona, reunindo investigadores internacionais que trabalharão no estudo dos processos do sistema imunitário e da sua interação com as doenças mais prevalecentes. Tornar-se-á, assim, o primeiro centro de investigação especializado em imunologia de Espanha e um dos primeiros da Europa. “É uma grande notícia. Tenho a certeza de que se tornará uma peça fundamental do ecossistema biomédico da cidade”, afirma Marc Güell.

“A sua localização numa cidade que é já um centro de referência na investigação biomédica representa uma grande oportunidade. Por exemplo, no domínio da neuroimunologia, vários centros da cidade são líderes internacionais no estudo das encefalites autoimunes, das neuropatias periféricas e da esclerose múltipla”, explica Josep Dalmau. “O cenário atual da investigação biomédica em imunologia não tem precedentes; estamos a assistir a avanços que ocorrem a uma velocidade extraordinária. A visão do CaixaResearch Institute está perfeitamente alinhada com este momento excecional”.

“A investigação científica avança graças ao trabalho especializado de grupos individuais, mas sobretudo graças à colaboração entre equipas com abordagens complementares”, conclui Nuria Martínez. “A criação do CaixaResearch Institute representa uma oportunidade estratégica para promover sinergias entre investigadores com interesses comuns, mas perspetivas diferentes. Este ambiente colaborativo irá, sem dúvida, acelerar os avanços em muitos domínios da imunologia”.

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